terça-feira, 9 de junho de 2020

A Igreja, a Idade Média e o ensino


utor: Wanderley Dias da Costa
Fonte: https://www.facebook.com/wander846/

Vivemos no século XXI, mas observando o nível de informações acerca da Idade Média, têm-se a impressão que estamos em pleno Iluminismo; a Revolução Francesa parece que está no senso comum; certamente nem o mais otimista dos forjadores de mitos e lendas do Iluminismo acreditaria que suas mentiras estão sendo usadas no século XXI.

Vamos analisar neste artigo a questão da educação na Idade Média: pode-se perceber que foi um momento de grande apoio aos mais pobres na educação. Para este artigo vamos observar a obra de Régine Pernoud, esta historiadora nos traz a seguinte narrativa sobre a criança.
“A criança, na Idade Média como em todas as épocas, vai à escola; e, em geral, a escola da sua paróquia ou do mosteiro mais próximo. Com efeito, todas as igrejas agregam a si uma escola. O concilio de Latrão, em 1179, faz-lhes disso uma obrigação estrita, e é uma disposição corrente, ainda visível em Inglaterra, país mais conservador do que o França, encontrar reunidos a igreja, o cemitério e a escola. Frequentemente também, são as fundações senhoriais que asseguram a instrução das crianças: uma aldeiazinha das margens do Sena, Rosny, tinha, desde o inicio do século XIII, uma escola fundada por volta do ano 1200 pelo seu senhor, Guy V Mauvoisin” (p.95).

Aqui observa-se a relação cultural nas aldeias e problemas de relações entre professor e alunos: sempre um professor deve se impor e zelar pela disciplina em sala de aula:
“Por vezes, também, trata-se de escolas puramente privadas: os habitantes de um lugarejo associam-se para sustentar um professor encarregado de ensinar as crianças; um pequeno texto divertido conservou-nos a petição de alguns pais solicitando a demissão de um professor, que não tendo sabido fazer-se respeitar pelos seus alunos, é por eles desrespeitado, ao ponto de ‘eum peugeot grafionibus’ – de eles o picarem com os seus ‘grafiones’, os estiletes com os quais eles escrevem nas suas tabuinhas revestidas de cera” (p.95).

Observa-se que as escolas monásticas tinham talvez ainda mais renome: em Paris, encontram-se desde o século XII três séries de estabelecimentos escolares:
“A escola Notre-Dame, ou grupo de escolas do bispado, cuja direção é assumida pelo chantre para as classes elementares e pelo chanceler para o grau superior; as escolas das abadias como Sainte-Geneviève, Saint-Victor ou Saint-Germain-des-Prés; enfim, as instituições particulares abertas pelos professores que obtiveram a licença de ensino, como Abelardo, por exemplo”.

A autora nos informa que a criança era aí admitida com 7 ou 8 anos de idade e o ensino que preparava para os estudos da Universidade estendia-se, como hoje, por uma dezena de anos: são os números que o abade Gilles le Muisit dá. Os rapazes eram separados das moças, que tinham, em geral, os seus estabelecimentos particulares, menos numerosos talvez, mas onde os estudos eram muito ativos:
“A abadia de Argenteuil, onde foi educada Heloísa, ensinava às moças a Santa Escritura, as letras, a medicina e mesmo a cirurgia, sem contar o grego e o hebraico que Abelardo lá ensinou. Em geral, as pequenas escolas proporcionam aos seus alunos as noções e gramática, de aritmética, de geometria, de música e de teologia que lhes permitiriam aceder às ciências estudadas nas Universidades; é possível que algumas tenham comportado uma espécie de ensino técnico”.

A “Histoire Littéraire” cita, por exemplo, a escola de Vassor na diocese de Metz, na qual, “aprendendo a Santa Escritura e as letras, se trabalhava o ouro, a prata, o cobre”.

Nas fontes primárias observam-se as recordações de Gilles le Muisit; ele lembrando as suas recordações de juventude. É que de fato, nessa época, as crianças de todas as camadas da sociedade eram instruídas juntas; vê-se uma anedota célebre que mostra
“Carlos Magno sendo severo para com os filhos dos barões, que mostra que se mostravam preguiçosos, ao contrário dos filhos dos servos pobres. A única distinção estabelecida consistia nas retribuições pedidas, sendo o ensino gratuito para os pobres e pago para os ricos. Esta gratuidade podia prolongar-se, vê-lo-emos, por toda a duração dos estudos, e mesmo para o acesso ao ensino, uma vez que o concilio de Latrão, já citado, proíbe às pessoas que têm a missão de dirigir e tomar conta das escolas ‘de exigir dos candidatos ao professorado uma qualquer remuneração pela outorga da licença'”.

Há aliás, pouca diferença, na Idade Média, na educação dada às crianças de diversas condições:
“Os filhos dos vassalos menores vão com as crianças de diversas condições na residência senhorial juntamente com os do suserano; ricos burgueses são submetidos à mesma aprendizagem que o último dos artesãos, se querem tomar conta, por sua vez, da loja paterna”.

É sem dúvida por isso que temos tantos exemplos de grandes personagens saídos de famílias de condição humilde:
“Suger, que governa a França durante a cruzada de Luís VII, é filho de servos; Maurice de Sully, o bispo de Paris que mandou construir Notre-Dame, nasceu de um mendigo; São Pedro Damião, na sua infância, guarda-porcos; e uma das mais vivas luzes da ciência medieval, Gerbert d’Aurillac, é igualmente pastor; o papa Urbano VI é filho de um pequeno sapateiro de Troyes e Gregório VII, o grande papa da Idade Média, de um pobre pastor de cabras. Inversamente, muitos dos grandes senhores são letrados cuja educação não devia diferir muito da dos clérigos: Roberto, o Piedoso, compõe hinos e sequências latinas; Gui Thermix, príncipe da Aquitania, é o primeiro, cronologicamente, dos trovadores; Ricardo Coração-de-Leão deixou-nos poemas, assim como os senhores de Ussel, dos Baux e tantos outros – para não falar de casos mais excepcionais, como o do rei de Espanha Afonso X, astrônomo, que escreve sucessivamente poemas e obras de direito, faz progredir notavelmente os conhecimentos astronômicos da época com a redação das suas ‘Tables Alphonsines’ (Tábuas Afonsinas), deixa uma vasta ‘Chronique’ [Crônica] sobre as origens da História da Espanha e uma compilação de Direito Canônico e de Direito Romano, que foi o primeiro ‘Code’ [Código] do seu país”.
“Vemos estudantes mais capacitados, irem naturalmente para as Universidades; e cada um escolhe sua especialidade: em Montpellier, é a medicina; desde 1181 que Guilherme VII deu a qualquer particular, quem quer que seja e venha de onde vier, a liberdade de ensinar esta arte, desde que apresente as garantias de saberes suficientes. Em Orleans a especialidade é o Direito Canônico; em Bolonha, o Direito Romano. Mas é Paris o centro dos estudos de toda Europa, são recebidos estudantes da Alemanha, Itália, Inglaterra, Dinamarca e Noruega”.
“Estas Universidades são criações da Igreja Católica. A bula ‘Parens scientiarum’ de Gregório IX pode ser considerada como a carta de fundação da Universidade medieval, com os regulamentos promulgados em 1215, pelo cardeal-núncio Roberto de Courçon, agindo em nome de Inocêncio III, e que reconheciam explicitamente aos professores e aos alunos o direito de associação. Criada pelo Papado, a universidade tem um caráter inteiramente eclesiástico: os professores pertencem todos à Igreja, e as duas grandes ordens que ilustram o século XIII, Franciscana e Dominicana, e serão frequentadas por um S. Boaventura e um S. Tomás de Aquino; os alunos, mesmo aqueles que não se destinam ao sacerdócio, são chamados clérigos, e alguns deles usam a tonsura – o que não quer dizer que aí apenas se ensine a Teologia, uma vez que o seu programa comporta todas as grandes disciplinas científicas e filosóficas, da gramática à dialética, passando pela música e pela geometria”.

Nas universidades os professores e estudantes formam um corpo livre. Filipe Augusto tinha, desde o ano 1200, tirado os seus membros da jurisdição civil. Estes professores, alunos e mesmo os criados destes dependem apenas dos tribunais eclesiásticos, o que é considerado um privilégio e consagra a autonomia desta corporação de elite. Professores e estudantes estão, portanto, inteiramente isentos de obrigações relativas ao poder central; administram-se a si próprios, tomando em comum as decisões que lhes respeitam e gerem a sua tesouraria sem nenhuma ingerência do Estado. É esta a característica essencial da Universidade medieval e, provavelmente, aquela que mais a distingue da de hoje:
“A universidade, mais ainda do que nos nossos dias, é, na Idade Média, um mundo turbulento”.

Vemos na Idade Média a internacionalização do saber, isso se deveu unicamente pelo Cristianismo. Continua Pernoud a nos informar que toda Europa era agraciada com o desenvolvimento de todas as artes liberais e conhecimentos científicos:
“É também um mundo cosmopolita; as quatro ‘nações’ entre as quais estavam repartidos os clérigos parisienses indicam-no suficientemente: havia os Picardos, os Ingleses, os Alemães e os Franceses. Os estudantes vindos de cada um destes países eram, portanto, suficientemente numerosos para formar um grupo que tinha a sua autonomia, os seus representantes, a sua atividade particular; fora disto, assinalam-se correntemente nos registros nomes italianos, dinamarqueses, húngaros e outros. Os professores que ensinam vêm, também eles, de todas as partes do mundo: Siger de Brabant e Jean de Salisbury usam nomes significativos; Alberto Magno vem da Renânia; S. Tomás de Aquino e S. Boaventura da Itália”.

Não há, então, obstáculo às trocas de pensamento, e só se julga um professor pela amplidão do seu saber:
“Este mundo matizado possui uma língua comum, o latim, o único falado na Universidade; é, sem dúvida, o que lhe evita ser uma nova Torre de Babel, apesar dos grupos diversificados de que é composta; o uso do latim facilita as relações, permite aos sábios comunicar de uma ponta a outra da Europa; dissipa, de antemão, qualquer confusão na expressão e salvaguarda também a unidade de pensamento. Os problemas que apaixonam os filósofos são os mesmos, em Paris, em Edimburgo, em Oxford, em Colônia ou em Pavia, ainda que cada centro e cada personalidade lhes imprimam o seu caráter próprio. Tomás de Aquino, vindo de Itália, em Paris acaba de esclarecer e de ultimar uma doutrina cujas bases ele concebera escutando, em Colônia, as lições de Alberto Magno. Nada se parece menos com um vaso fechado, vemo-lo, do que a Sorbonne do século XIII”.

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