Alguns dos dez mandamentos são mais fáceis de se lembrar do que outros, os que quase sempre temos na ponta da língua são os que dizem para não matar, não roubar e não cometer adultério. Mas um que é um pouco mais difícil de nos lembrarmos e que, talvez não por coincidência, é o que mais desrespeitamos é o seguinte “Não desejarás a casa de teu próximo, nem seu servo, ou serva, nem seu boi, seu asno, ou qualquer outra coisa que lhe pertença.” Casa, servos, boi e asno resumem bem as posses mais valiosas de um homem comum daquela época em que viveu Moisés, ou seja, o mandamento poderia ser muito bem ser resumido na frase: “não invejarás”. Parece então que desde os tempos remotos da sociedade tribal dos israelitas, a inveja das posses materiais daqueles próximos a nós é um problema grave, tão grave que teve de ser escrito junto a outros princípios básicos, tão óbvios como não matar ou não roubar.
O grande motor dos principais desequilíbrios em nossas vidas é o egoísmo. O egoísmo é a mania que temos de dar muita atenção e muito valor ao nosso próprio ego, ele é também o pai do orgulho, que é a mania que temos de achar que somos, ou que devemos ser, melhores do que os outros. O orgulho é o que provoca a inveja que sentimos daqueles que possuem aquilo que não possuímos. A inveja não se assemelha àquele sentimento saudável que podemos possuir ao ver uma pessoa bem sucedida, com bom emprego, família e vida razoavelmente estável e que nos faz pensar: “esta pessoa parece estar muito bem, também gostaria de ter o que ela tem e acho que preciso aprender com ela, fazer como ela fez”, a inveja, pelo contrário, é o sentimento que nos faz pensar: “aquela pessoa está melhor do que eu, eu é que merecia estar no lugar dela, preciso fazer algo para não ficar mais por baixo”. Ou seja, a inveja é um sentimento destrutivo, motivado por um orgulho ferido, que leva o homem desprezar aqueles que se destacam e a desejar alcançar um patamar acima dos outros, ou pelo menos acima da média. Para o invejoso, é mais importante estar acima da maioria do que propriamente estar bem.
É motivado por estes sentimentos inferiores que eu acabo dando muita importância em obter bens que me proporcionem status, que mostrem que estou sendo bem sucedido no meu trabalho ou que mostre que possuo bom gosto e sei apreciar bens de qualidade superior, de consumo típico dos mais abastados. Quando me alinho com este tipo de pensamento inferior, esqueço facilmente onde estaria o limite do desequilíbrio, o limite do necessário e suficiente e nem me preocupo em pensar se o meu estilo de vida requer um volume de bens e renda que não é possível para todos. Muito pelo contrário, se puder obter um estilo de vida que seja inacessível à maioria, isso agrada o meu ego invejoso que não tolera ver os outros materialmente melhores do que eu. A inveja, sendo um sentimento inferior, típico das almas ainda em estágios menos elevados de aprendizado, alimenta um certo sentimento de vingança, o invejoso deseja não apenas subir ao patamar daqueles que ele inveja, mas ultrapassa-los para poder se exibir e “se vingar” ao provocar (ele imagina) o mesmo sentimento de inveja naqueles que antes estavam acima dele.
A corrida alucinada por símbolos de status, principalmente objetos como carros, joias, roupas de grife e até aparelhos eletrônicos de marca e os trilhões que esta indústria movimenta, são o principal indicativo do quando a humanidade ainda está presa no materialismo e na armadilha da inveja. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo aprendemos que, ao contrário daquele que se dedica à vida material “O resultado da maneira espiritual de encarar a vida diminui a importância das coisas deste mundo, faz com que o homem modere seus desejos, se contente com sua posição sem invejar a dos outros, e atenua a impressão moral dos reveses e das decepções que ele experimenta. O homem adquire uma calma e uma resignação tão úteis à saúde do corpo quanto à da alma, ao passo que, pela inveja, pelo ciúme e pela ambição, tortura-se voluntariamente e assim aumenta as misérias e as angústias de sua curta existência.” (Cap. 5, 13). Como sabemos, a busca por uma vida mais confortável é algo natural e até mesmo uma necessidade para o aprendizado do espírito encarnado, mas muitas vezes esta busca se distorce e se transforma numa busca de uma vida da qual eu possa me orgulhar, que possa causar nos outros os sentimentos inferiores da inveja que carrego comigo. Conforme explicado na citação acima, aquela busca natural e saudável por condições melhores, se transforma então em tortura mental para mim e também em fonte de desequilíbrio para a sociedade como um todo.
Mas evitar a cobiça não significa abandonar o trabalho e as posses materiais necessárias a uma vida normal. Muitos são os exemplos de pessoas que, chocadas com os desvios do materialismo, resolveram adotar um outro caminho radicalmente inverso, se afastando da vida em sociedade e dos deveres que ela impõe, adotando a vida do religioso isolado no mosteiro, do hippie despreocupado ou do mendigo pedinte. Devemos lembrar que o próprio Cristo não escolheu vir à terra como um mendigo, ele trabalhava e vivia como uma pessoa simples de sua época, somente adotando o estilo de vida típico dos religiosos em peregrinação evangelizadora aos 30 anos de idade. O mesmo podemos dizer de Chico Xavier, que permaneceu trabalhando como funcionário público de nível subalterno até se aposentar, vivendo uma vida simples mas não miserável, devido à sua vocação para a caridade escolheu uma vida de sacrifício e humildade que beirava a pobreza, mesmo podendo reivindicar dezenas de milhões de reais em direitos autorais de seus livros. Novamente em o Evangelho Segundo o Espiritismo encontramos no capítulo 16 item 14: “O Senhor não ordena a ninguém desfazer-se do que possua para se reduzir a mendigo voluntário, porque, então, se tornaria uma carga para a sociedade. Agir desse modo seria compreender mal o desprendimento aos bens terrenos; é um egoísmo de outro modo. Seria fugir à responsabilidade que a riqueza faz pesar sobre aquele que a possui.” e ainda no capítulo 17 item 10: “Não acrediteis, contudo, que, incentivando vossa dedicação à prece e à evocação mental, desejamos vos levar a viver uma vida mística, que vos coloque fora das leis da sociedade, onde estais obrigados a viver. Não; vivei com os homens de vossa época, como devem viver os homens. Mas se renunciardes às necessidades, ou mesmo às banalidades do dia-a-dia, fazei-o com um sentimento de pureza que possa santificá-las.”
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