segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Deus não É de vingança

O que precede não passa de um preâmbulo destinado a servir de introdução a outras ideias. Falei-vos de ideias preconcebidas, mas há outras além das que vêm das inclinações do inspirado; há as que são consequência de uma instrução errônea, de uma interpretação acreditada num tempo mais ou menos longo,


que tiveram sua razão de ser numa época em que a razão humana estava insuficientemente desenvolvida e que, passadas ao estado crônico, só podem ser modificados por esforços heroicos, sobretudo quando têm para si a autoridade do ensino religioso e de livros reservados. Uma destas ideias é esta: Deus se vinga. Que um homem, ferido em seu orgulho, em sua pessoa ou em seus interesses, se vingue, isto se concebe; embora culpado tal vingança está dentro dos limites das imperfeições humanas. Mas um pai que se vinga nos filhos levanta a indignação geral, porque cada um sente que um pai, encarregado da tarefa de criar os seus filhos,

pode corrigir-lhes os erros e os defeitos por todos os meios ao seu alcance, mas a vingança lhe é interdita, sob pena de tornar-se estranho a todos os direitos da paternidade.

Sob o nome de vindita pública, a sociedade que desaparece vingava-se dos culpados; a punição infligida, muitas vezes cruel, não passava de vingança sobre as más ações do homem perverso; ela não se preocupava absolutamente com a reabilitação desse homem, deixando a Deus o cuidado de o punir ou de o perdoar. Bastava-lhe ferir pelo terror, que julgava salutar, os futuros culpados. A sociedade que surge não pensa mais assim; se ainda não age em vista da reeducação do culpado, ao menos compreende o que a vingança contém de odioso por si mesma; salvaguardar a sociedade contra os ataques de um criminoso lhe basta e, ajudada

pelo temor de um erro judiciário, em breve a pena capital desaparecerá dos vossos códigos.

Se hoje a sociedade se julga muito forte em frente a um culpado para se deixar tomar pela cólera e dele vingar-se, como quereis que Deus, participando de vossas fraquezas, se deixe tomar por um sentimento irascível e fira por vingança um pecador chamado ao arrependimento? Crer na cólera divina é um orgulho

da Humanidade, que se imagina pesar bastante na balança divina.

Se a planta do vosso jardim não se desenvolve a contento, ireis encolerizar-vos e vos vingar dela? Não; se puderdes a soerguereis, apoiá-la-eis em estacas e, se necessário, a transplantareis, mas não vos vingareis. Assim faz Deus. Vingar-se, Deus? que blasfêmia! que amesquinhamento da grandeza divina! quanta ignorância da distância infinita que separa o Criador da criatura! Quanto esquecimento de sua bondade

e de sua justiça! Deus viria, numa existência em que não vos resta nenhuma lembrança dos vossos erros passados, fazer-vos pagar muito caro as faltas cometidas numa época apagada em vosso ser!

Não, não! Deus não age assim; ele entrava o impulso de uma paixão funesta, corrige o orgulho inato por uma humildade forçada, retifica o egoísmo do passado pela urgência de uma necessidade presente, que leva a desejar a existência de um sentimento que o homem nem conheceu, nem experimentou. Como pai, corrige,

mas, também como pai, Deus não se vinga.

Guardai-vos dessas ideias preconcebidas de vingança celeste, detritos perdidos de um erro antigo. Guardai-vos dessas tendências fatalistas, cuja porta está aberta para vossas doutrinas novas e que vos conduziriam diretamente ao quietismo oriental. A parte de liberdade do homem já não é bastante grande para diminuí-la ainda mais por crenças errôneas; quanto mais sentirdes vossa liberdade, sem dúvida maior será a vossa responsabilidade e tanto mais os esforços de vossa vontade vos conduzirão adiante, na senda do progresso.

Pascal

REVISTA ESPÍRITA MAIO DE 1865

Dissertações Espíritas

(Lyon, novembro de 1863 – Médium: Sr. X...)

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