Retornamos, com prazer indizível, a falar de Filipe, o apóstolo maravilhoso que, com Pedro e André, forma a trilogia fecundante, ou seiva pura oriunda de Deus e cultivada em Betsaida. Filipe tornou-se o que, nos dias de hoje, classificam de repórter.
Vamos encontrar o discípulo de Jesus andando em Betsaida, tendo aos ombros um pequeno alforje que certamente acolhia a matulagem do dia. As ruas, bem cedo, se mostravam movimentadas pelas notícias dos fenômenos produzidos pelo Divino Mestre.
Camelos e jumentos enchiam as encostas, à procura de capim e folhagem que os abastecessem e os refizessem das grandes marchas. Filipe, solfejando algumas das suas canções prediletas, brinca com uma bengala improvisada, como se fosse um artista anunciando as suas mágicas.
Parou em frente a uma oliveira, cuja maviosa sombra e aroma convidavam para meditação. Mas, debaixo dela, já se encontrava, sentado e apoiado em velho bastão um ancião de quase um século de existência.
Os cabelos faziam lembrar as neves, o rosto denunciava o mau trato de sua existência e os olhos, meio apagados, eram como que despidos de todo o desejo de ver a natureza, pelo cansaço e o enfado de somente contemplar, todos os dias, a mesma coisa.
O discípulo de Jesus toca o velho com a sua destra, de mansinho, dizendo: A paz seja contigo, meu Senhor! Esse, com muito custo, levanta a cabeça e responde: Quem sois? Quem ousa tirar-me do descanso que, se é que existe Deus, Ele me proporcionou? Sou eu, meu velho, Filipe! Um simples homem. Em que poderei servir?
Servir, servir, servir! E o velho deu uma gargalhada meio forçada, desdenhando das boas intenções do companheiro de André e Pedro. Mas a veneração que tinha pelos velhos e crianças fê-lo ouvir, com paciência, a longa história do antigo judeu.
A revolta fez o velho se esquecer da bondade alheia e desacreditar até da existência de Deus. Filipe falara com carinho ao pé do ouvido, para que ele pudesse escutar melhor sobre o Messias, anunciado pelos antigos e novos profetas, esclarecendo que o Cristo já estava na Terra.
E sabes onde, meu velho? Aqui! Aqui, em Betsaida, por acréscimo de misericórdia do Criador, desse Pai de bondade em que não acreditas, por não encontrá-Lo.
Filipe, com todo o carinho, passa de leve as mãos pela cabeleira vasta do ancião e fala mais ao seu coração: Meu amigo, como te chamas? O velho, meio sem graça, não nega sua identidade. Podes me chamar de Sultão, se queres colocar-me, ao menos pelo nome, onde nunca pude chegar.
Filipe compreendeu tratar-se de pessoa prejudicada, no passado, pela política, a quem os próprios companheiros se encarregaram de sacrificar, até que ele chegasse ao ponto onde estava. Meu velho Sultão!
Notando certa claridade nas enrugadas feições do homem, Filipe continuou: Eu estou aqui para te falar de Deus, um Deus que talvez não soubeste procurar, um Deus que não persegue nem calunia, que não ambiciona, não odeia, não rouba, não fala mal de ninguém, não despreza, não desdenha, não é egoísta nem orgulhoso!
O velho Sultão, interrompendo, diz: Esse Deus que pregas não existe! E o discípulo, com redobrada paciência, responde com convicção: Esse Deus, meu amigo, é o que existe, eu poderei te levar, não a Ele, mas, Aquele que o representa na Terra, o Messias que estou tentando te revelar.
O ancião toma a falar novamente, apressado: Messias, Messias! Nós estamos na época dos Messias, eles estão por toda a parte. Só aqui, na Galiléia, eu conheço centenas, a quantidade é igual à dos peixes nos rios.
Filipe, aproveitando o silêncio, termina sua argumentação, dizendo: Sultão, meu Senhor! Esse de quem te quero falar é diferente desses outros, porque Ele opera prodígios nunca antes vistos por nenhum profeta: dá vista aos cegos, levanta paralíticos, faz ouvir os surdos e devolve a vida àqueles que já consideramos mortos. Esse de quem te falo é Nosso Senhor Jesus Cristo.
O velho Sultão levantou-se com dificuldade e saiu, apoiado no bastão, praguejando contra Deus e Cristo, e chamando Filipe de cão sem dono, que não tinha nem respeito pelos velhos que queriam descansar.
O discípulo repórter teve vontade de ir atrás e procurar outros meios de convencê-lo, mas algo na consciência lhe dizia: Basta, Filipe, basta! Mesmo assim gritou ao velho, procurando saber se ele queria alguma coisa para comer. Este nada respondeu e ergueu em riste seu cajado. O apóstolo baixou a cabeça e tomou outra direção.
À noite, Filipe estava com os outros discípulos, na já famosa igreja dos pescadores de Betsaida. O Mestre, como de costume, fixa seu manso olhar em Tomé, e este, conhecendo a linguagem de Jesus, levantou uma conversa com Deus, buscando entender Cristo.
Pedro, que estava perto de Tomé, sentindo o entusiasmo do discípulo na oração, abriu devagar os olhos que cerrara por submissão ao momento, e viu o rosto do amigo banhado de lágrimas. Tomé estava, acima de outras coisas, pedindo ao Senhor que lhe arrancasse do coração a dúvida sobre as coisas espirituais que sentia, de momento a momento. Pedro, meio assustado, monologa: De onde não se espera é que sai.
Filipe ainda não dera uma palavra naquela tarde. Levanta- se, como se se sentindo comandado a perguntar e interroga: Jesus, podes nos ajudar, principalmente hoje, a entender o que deve ser o Respeito aos outros? Senhor, encontro-me assustado, pensando no que devo fazer para entender e praticar o que chamas de amor ao próximo.
Assentou-se no banco liso dos velhos pescadores e limpou a mente, como uma bateia nas mãos do garimpeiro, em busca de pedras preciosas. O Cristo, cintilando seu tranquilo olhar nos seus seguidores, inicia sua resposta:
Filipe! Que a paz de Deus esteja cm teu coração! O apreço que devemos ter às pessoas e, em certo ponto, até aos animais, exige de nós muita acuidade, muito senso espiritual, cabendo dentro da máxima que sempre repetimos: Não fazer aos outros aquilo que não queremos que eles façam conosco.
Coloca-te no lugar daqueles que esperam o teu respeito, que logo saberás como deves agir para com eles. Nem sempre os conceitos da vida que abraçamos são certos para nossos semelhantes.
É importante quando atingimos determinado progresso na engenhosa arte de viver bem. No entanto, é meio perigoso o fanatismo. Vestir a capa de missão ou de cumprimento do dever é criar situações melindrosas, fazendo, por vezes, inimizades.
Sei que tens grande dedicação aos velhos e pelas crianças órfãs que atravessam o teu caminho. Porém, não deixes que a piedade se exagere, para que ela não se torne em desespero ou revolta.
Procura ajudar à altura das tuas possibilidades e na medida do interesse que o necessitado te mostrar. Sair procurando a esmo a quem socorrer ou a quem doutrinar fará com que a mágoa se instale em teu coração, podendo até enraizar-se, tornando difícil a desapropriação.
O Mestre se calou, olhando para a própria túnica que refulgia em cores variadas, refletindo no ambiente um clima de paz.
Filipe, não esqueces o velho Sultão um só momento, achando que foste por demais exagerado com o ancião. Poderias ter conversado sobre outros assuntos, sem levares o velho à irritação. Com pouco espaço de tempo, ficarias sabendo da opinião dele acerca da vida espiritual.
Assim não fizeste, foste logo tocando no assunto e o teu tribunal íntimo te acusa, pedindo reparo e sugerindo que não procedas mais assim. Jesus, dono de uma sensibilidade altamente desenvolvida, tocara mais ou menos no assunto que preocupava o discípulo e o deixara bastante deprimido. Com habilidade, prosseguiu:
Meu filho! O acatamento às pessoas é distinção da alma nobre. Mas saber como respeitar é inspiração da caridade integrada ao amor. Não queiras impor, a quem quer que seja, o teu ponto de vista. Não deves forçar as consciências, a título da vontade de Deus, pois Ele, que é o soberano, que não precisava esperar pela harmonia de tudo o que ele mesmo fez, espera o trigo crescer e prosperar, espera os olivais ficarem no ponto da colheita, espera as fases certas de recolher as uvas, espera por algum tempo a procriação das ovelhas, e espera, sorrindo, pela natureza que nos cerca e pela nossa transformação, da ignorância para a sabedoria.
E tu, quem és que não podes esperar? Não te preocupes com a velhice do corpo, no tocante à necessidade urgente de fazer com que a alma que o anima desperte para o Criador, pois, em verdade te digo que, em muitos casos, a que está vivendo como criança é verdadeiramente mais velha e amadurecida para as coisas do espírito.
Se queres entrar nos corações alheios para levar a boa nova do reino de Deus, isso nos dá muita alegria. Todavia, Filipe, espera que os corações abram as portas dos sentimentos. O fruto verde dificilmente tem sabor e, acima de tudo, é nosso dever respeitar o ambiente alheio. Espera, espera, mesmo sendo convidado, para adentrar o lar que não seja o teu.
Os assistentes regozijavam-se com os ensinamentos do Mestre. Todos tinham um caso semelhante e alguns poucos sentiam mesmo vontade de partir para a agressão, quando alguém que eles provocavam na imposição doutrinária blasfemava contra Cristo. E Jesus finalizou:
Filipe! É bom que guardes isso na tua cabeça. Ninguém se perde, todos somos filhos do mesmo pai, criados com o mesmo amor. Se alguém reluta e não aceita a verdade agora, o tempo será o portador dela mais tarde.
Eu acho que existe tanta lavoura à espera de colheita, que parece perda de tempo preocupar-te com plantios novos, cujos frutos se encontram verdes.
Filipe, procura mais um pouco de meditação, procura a oração que o fanatismo não perturbe e abraça a Deus, meu filho, esperando e trabalhando com fé, que esse mesmo Deus te guiará por todos os caminhos, para que sejas um homem reto, com reta justiça, com reto respeito e com reto amor.
O apóstolo tinha vontade de escrever tudo o que ouvira do Mestre, mas não conseguia. Gravou na memória toda a mensagem, restabelecendo a tranquilidade na alma para, quando saísse dali, tivesse deferência com os outros, sabendo como proceder.
A lua despedia-se da terra, sumindo no horizonte, e as estrelas, como olhos de Deus, ficavam mais vivas.
Compilado por Harmonia Espiritual
Livro: Ave Luz
Autor: Shaolin (espírito) João Nunes Maia
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