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terça-feira, 14 de junho de 2016
Um mundo sem dinheiro.
Como seria um mundo sem dinheiro? Vamos tentar imaginar, como por exemplo eu compraria as coisas de que preciso em um mundo sem dinheiro? Para responder esta pergunta primeiro eu preciso saber por que é que eu possuo dinheiro, porque ele existe e porque as pessoas aceitam me fornecer coisas em troca de dinheiro.
O dinheiro de papel é emitido pelos bancos centrais dos países, e a lei de cada país exige que qualquer comerciante aceite estes papéis como um meio válido de pagamento, ninguém pode recusar como pagamento estes papéis que chamamos de dinheiro. Este dinheiro de papel substituiu há muito tempo o dinheiro em moedas feitas de metais preciosos, que nada mais eram do que uma mercadoria, que assim como outras mercadorias, como o sal (de onde se origina a palavra salário), eram fáceis de serem carregadas e possuíam alto valor, por isso se tornaram meios comuns de troca por outras mercadorias.
Então o dinheiro é um meio de troca, seja metal precioso, sal ou papel moeda emitido por um banco, o dinheiro é um representante do valor do trabalho, da quantidade de trabalho contida em uma mercadoria, seja o trabalho exigido para se escavar alguns gramas de ouro ou alguns quilos de sal de uma mina, ou a quantidade de trabalho necessária para se construir uma casa, mercadorias nas quais foram empregadas quantidades equivalentes de trabalho são trocadas umas pelas outras com o uso deste meio facilitador que chamamos de dinheiro.
Em um mundo sem dinheiro não seria possível efetuar trocas de forma eficiente, em uma sociedade sem dinheiro não é possível saber exatamente se as mercadorias ou serviços que estão sendo trocados equivalem a quantidades iguais de trabalho. A troca direta de mercadorias variadas por outras mercadorias, sem o uso de uma mercadoria padrão é impraticável e estudos históricos recentes afirmam que sociedades de escambo, onde todos os produtos eram trocados diretamente e imediatamente por outros produtos, na verdade nunca existiram, não passando de uma lenda. Sem o dinheiro, o sistema de trocas do qual depende a produção e circulação de mercadorias, tanto no mundo antigo como no mundo moderno, se torna impossível.
Mas existe é claro uma saída para a criação do nosso mundo sem dinheiro, a circulação de bens pode funcionar desde que os vendedores aceitem fornecer seus produtos sem exigir um pagamento em quantidade equivalente em dinheiro, ou seja, desde que aceitem entregar seus produtos sem contrapartida, doar tudo de graça, e os comerciantes esperariam também é claro poderem obter os produtos que precisam da mesma forma. Mas o resultado que imediatamente imaginamos seria que as pessoas correriam para as lojas e pegariam tudo o que conseguissem carregar, como numa onda de saques em uma guerra, aquele cada um por si, parecido também caos da distribuição do bolo gigante no aniversário da cidade. O que nos impede de agirmos como animais irracionais, desesperados para pegarmos tudo que pudermos e empilharmos tudo dentro de nossas casas é justamente a exigência de dinheiro.
Então é claro que a nossa sociedade sem dinheiro não funcionaria aqui na terra, por causa desse nosso instinto maníaco egoísta, mas um mundo sem dinheiro pode até ser possível em esferas mais evoluídas, onde as pessoas não pegam tudo o que podem quando podem, mas apenas o que precisam, como na frase “tudo posso mas nem tudo me convém”. No livro Nosso Lar é descrito o sistema de bônus-horas, em que os habitantes da colônia espiritual recebem créditos ao executarem diversas atividades de auxílio aos outros espíritos. É um sistema bastante igualitário em que cada hora de trabalho vale 1 bônus-hora, e algumas poucas atividades de dificuldade excepcional são remuneradas com 2 bônus-horas, independente da experiência e do nível de evolução moral, todos são remunerados de forma razoavelmente igualitária. Mas ao mesmo tempo a colônia não condena e exclui os espíritos que ainda não se dedicam muito ao trabalho, como no caso descrito no livro em que uma moradora acumulou apenas 304 bônus-hora obtidos em 6 anos de hospedagem, o que equivaleria a menos de 1 mês e meio de trabalho normal na terra. Por outro lado, espíritos mais evoluídos acumulam muito trabalho sem se preocupar em exigir a retribuição, se dedicam com afinco às atividades de auxílio apenas pelo desejo de fazer o melhor pelo próximo, não se importando em saber se estão recebendo créditos ou em obter benefícios em troca. No mesmo livro é descrito um caso destes em que uma moradora acumulou 1 milhão de bônus-horas, e o narrador é informado então que esta moradora na verdade já possuía um estado de evolução moral suficiente alto para habitar outras esferas superiores à colônia de Nosso Lar.
Pois este é exatamente o comportamento que esperaríamos de um habitante de uma esfera moral superior à nossa, ao contrário de nós terráqueos egoístas e afobados, este ser superior não se importaria e não mudaria seu comportamento ao saber que é possível agora obter tudo o que deseja sem precisar pagar com dinheiro, ele simplesmente pegaria apenas o que precisa e ofereceria o melhor de seu trabalho também sem se preocupar em saber como vai ser remunerado por isso. Portanto no nosso mundo imaginário sem dinheiro, habitado por pessoas mais evoluídas que nós, o empresário entregaria tudo aos seus clientes sem exigir contrapartida, mas também seria capaz de obter novos produtos para repor seu estoque da mesma maneira, e ainda poderia consumir produtos fornecidos por outros empresários para uso pessoal da mesma forma, sem dinheiro e sem preocupação com a equalização dos seus créditos e débitos, um mundo onde todos trabalham e todos vão aos estabelecimentos e se servem livremente do que precisam, sem ganância e sem exagero. O trabalho das bolsas de valores neste mundo seria agora o de avaliar quais são as atividades mais procuradas pelos consumidores e quais possuem os menores custos, algo que já fazem hoje, mas sob a motivação única de obterem vantagens em dinheiro. No mundo sem dinheiro os corretores de bolsas trabalhariam sem salário, mas com total dedicação, avaliando as melhores fontes de investimento do trabalho humano, assim como os administradores de empresas que modernizariam a produção e tentariam produzir mais com menos mão de obra, cobrando também seus funcionários para que produzam mais, o que seria bem raro num ambiente de cooperação onde cada um dá o melhor de si, já o desemprego seria uma palavra desconhecida.
Na verdade já existem pessoas aqui na terra que se comportam desta maneira, não é muito raro encontrar trabalhadores que se dedicam ao máximo sem se preocupar com a remuneração, geralmente trabalhadores mais humildes que executam trabalhos subalternos, longe do ambiente de competição e egocentrismo de muitas carreiras de maior destaque. Este tipo de trabalhador dedicado não seria capaz de relaxar no trabalho e continua se dedicando e fazendo além do esperado mesmo quando não é cobrado. Pessoas assim teriam vergonha de não darem o máximo de si, e mesmo reconhecendo o estado de pobreza em que vivem, muitas pessoas nesta condição não desejariam se tornarem ricos, apenas um pouco de conforto e muito trabalho é o suficiente para serem felizes.
Mas este tipo de pessoa aqui na terra é a exceção, o ambiente competitivo costuma moldar os comportamentos, e mesmo quando estes trabalhadores são a maioria em algum empreendimento, quase sempre a minoria de maçãs podres coloca tudo a perder. Dificilmente grandes empreendimentos, que requerem a colaboração um grupo amplo de pessoas, podem contar com a dedicação desinteressada de todos os colaboradores, um ambiente competitivo pode motivar muitos a darem o melhor de si, mas o tipo de ambiente competitivo típico no nosso mundo é o da competição egoísta e não o da competição interessada no próximo. Curiosamente, no tipo de ambiente competitivo egoísta que estamos habituados, é comum que aqueles que se destacam logo passem a usar os privilégios que obtiveram (pelo mérito e pela dedicação ao trabalho) para obterem luxos, regalias e uma vida de bem pouco trabalho.
Mas assim como no nosso mundo existem trabalhadores dedicados e desinteressados, que destoam do padrão competitivo da sociedade, também existem empreendimentos humanos que são exceções, não em experimentos de sociedades utópicas, como de grupos que se isolam em uma comunidade e tentam criar um Shangri-lá, mas em pequenas atividades do dia a dia, como por exemplo a organização de uma festa entre amigos e parentes. Numa festa tradicional, costuma-se dividir e organizar o trabalho entre tarefas de administração e tarefas especializadas, como uma linha de produção de salgados ou doces; também existem tarefas manuais que podem ser mecanizadas como pelo uso de um compressor para encher bexigas; um empreendimento reduzido entre amigos e parentes, mas com divisão de atividades similares à de uma moderna cadeia de produção, inclusive com responsáveis pela administração e avaliação das melhores formas de investir o capital e o trabalho.
O que separa o microcosmo das pequenas atividades coletivas que funcionam de forma eficiente e harmoniosa dentro do ambiente familiar, da realidade do capitalismo selvagem com a divisão dos homens entre muito ricos, medianos e miseráveis, com uma enorme ineficiência, desperdício e desemprego, é justamente a nossa falta de capacidade de amar o próximo, não querer tirar vantagens dos desconhecidos, assim como não tiramos vantagens de nossos familiares. Já quando nos relacionamos com estranhos ou pessoas mais distantes o comportamento padrão é o do cada um por si, e se não podemos agir como loucos descontrolados correndo para as lojas e pegando tudo que podemos, por causa que não temos todo o dinheiro do mundo, agimos de forma equivalente tentando obter a máxima quantidade de dinheiro a todo custo. Usamos todas as artimanhas e distorções possíveis pelo uso do dinheiro, que deveria ser apenas um meio de troca de quantidades equivalentes de trabalho, para justamente tentar distorcer ao máximo a relação dinheiro-trabalho. A posse de grandes quantidades de dinheiro em nossas mãos se torna a principal forma de acumulação de poder e exploração do trabalho alheio.
Imagine a situação em que uma criança que colabora na preparação de uma festa descobre que poderá comer quantas fatias de bolo quiser, ou que pode pegar quantas bexigas e quantos doces quiser e levar tudo para casa, então a criança arranca metade do bolo de aniversário e coloca em uma bandeja, pega também quase todas as bexigas e brigadeiros e carrega tudo imediatamente para sua casa. Ela seria imediatamente repreendida pelos seus familiares, seu comportamento porém seria compreendido como uma atitude imatura, típica de uma criança afobada e egoísta. Agora imagine uma sociedade onde todos trabalham dando o melhor de si, e usufruem dos frutos do trabalho coletivo sempre de pegando para si apenas o necessário, e sempre se preocupando em ver se não está exagerando e com isso colaborando para deixar outros membros desta desfalcados de algum bem importante. Então colocamos no meio desta sociedade um homem da terra, que ao saber que pode levar tudo para casa sai como louco juntando tudo o que pode. Seria da mesma forma uma atitude ridícula e infantil, os outros habitantes desta sociedade entenderiam da mesma forma que se trata de um comportamento imaturo.
Mas na terra continuamos a nos comportar assim, estamos sempre tentando obter mais riqueza mesmo quando nossas necessidades básicas já estão atendidas e chamamos isso de “sucesso”. Não olhamos para o lado e não nos preocupamos muito com o resultado do nosso “sucesso”. Em um mundo onde nada se produz sem o apoio coletivo, o homem (que é um animal social) gosta de ignorar a ideia de que tudo é fruto do trabalho da sociedade como um todo, quando muito, olhamos para os necessitados e dizemos que também estamos torcendo para o “sucesso” deles. Como a criança afobada e imatura da festa, estamos tentando sempre obter o máximo de conforto com o mínimo de trabalho, um comportamento infantil mas compreensível para o nosso estado atual de evolução, ainda distante dos espíritos superiores que habitam os mundos sem dinheiro.
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