Simão, o Zelote, foi um discípulo diferente de todos os outros, mesmo diante da personalidade inquieta de Judas Iscariotes, que muitos escritores espiritualistas têm como um político sagaz e premeditador.
A verdade não era essa. A intenção de Judas era colocar Jesus como alvo de todas as atenções do mundo, para salvar efetivamente as criaturas, mas por meios que a consciência reta não aceitaria. Além disso, os planos do Evangelho estavam organizados pela consciência divina, e o amor seria a disposição poderosa do avanço espiritual, e não a violência, não o comércio, não as exigências.
Simão, o cananita, é que pertencia ao partido político nacionalista, idealizado por Judas, o galileu. Ele era uma das frentes de entusiasmo contra o jogo dos romanos. Era revoltado por ver seu povo carregando um peso exorbitante de tributos que iam para os cofres da águia impiedosa. Ainda mais, os romanos se classificavam como uma raça superior, pela posição que desfrutavam no reino que lhes pertencia pela força.
Simão não pensava muito em religião, porque nela notava algumas sombras perigosas de escravidão, e ele se debatia com todas as forças pela liberdade. O clima desse homem de que vamos falar era mesclado ao interesse pela pátria livre e de revolta diante da subjugação por um povo ganancioso e perverso, egoísta e fanático, guiado por ordens que partiam de um cérebro talvez manietado pelas presas da neurose irreversível.
Mentalizando a paz e o trabalho honesto para seu povo, o discípulo não sabia o que fazer, a não ser se reunir com homens com o mesmo ideal. Todavia, a revolta, mesmo aquela cheia de direitos, se perde para tornar-se companheira da intolerância, começando a usar as armas da violência, enfraquecendo as bases principais da Solidariedade. E foi o que aconteceu!
Seu partido passou da defesa para o crime, da liberdade dos galileus para a imposição dos seus próprios patrícios que não comungavam com eles na mesclagem do ódio com a defesa. E Simão viu frustrado todo o seu ideal. Não era isso que ele queria. Varão portador de descomunal energia para o que desse e viesse, não concordava em destruir para defender-se. A coragem em sua mente dava para ser percebida nas feições, sem que a dúvida se intrometesse.
E eis que, em uma manhã ensolarada, meio triste com os acontecimentos, procurou um ancião curtidor que se dava ao trabalho na margem destampada de um córrego onde as aguas cantavam as harmonias da criação. O curtidor solfejava um hino que aprendera com seus ancestrais, portadores dessa preciosidade melódica da convicção dos retirantes judeus, na época em que saíram da casa de servidão do antigo Egito, pela força e coragem de Moisés, o filho das águas e instrumento de Deus para a libertação de um povo.
Simão saudou-o, prestimoso, e Jonas-bem-Sabel, com reverência, respondeu, alegre: Jovem, quais os sopros que te trazem aqui, no ambiente de trabalho de um velho sem préstimo? Vamos assentar e, se quiseres, podes nos dar o prazer de compartilhar conosco da ceia que a hora anuncia.
Apontou a mão malcheirosa para um tosco banco e se desfaz de um roto avental, à beira de um tanque onde o asseio se dava. E logo iniciou a conversação. O velho, ciente das ocorrências com o Zelote, passou a dar-lhe notícias do Messias, que ele próprio vira pregando às margens do Lago da Galileia. Contou para o jovem político todos os fenômenos a que assistira e aqueles dos quais ouvira falar por pessoas idôneas.
O velho impressionou bastante a Simão, o cananita, que naquela mesma tarde procurou o Nazareno que, junto à multidão que o cercava, convidou-o para o seu partido de amor, aquele que não vinga, que não oprime, que não fere, que não julga, que não vende, que não mata. E, na mesma hora, Simão conseguiu segurar as mãos de Jesus, que sentiu lágrimas quentes molharem os seus dedos de luz.
Simão pôs os seus pés as margens do Lago de Genesaré, descendo de um pequeno barco em companhia do velho curtidor. Ao entrarem em Betsaida, o curtidor tomou outra direção e lhe desejou felicidades. Daí a pouco, o impetuoso cananita se aproximou do grande rancho dos pescadores, onde um lugar o esperava no seio da comunidade em Cristo.
João levantou-se suavemente, obedecendo ao sinal de Jesus, e fez sentida oração. Nos céus, faiscavam milhões de estrelas, como respondendo à sua súplica fervorosa. Ao término do pedido do apóstolo, ergueu-se com desembaraço o cananita e perguntou, com ansiedade:
Mestre! Por favor, queira nos orientar sobre o que vem a ser Solidariedade. Quero crer que a Solidariedade não se arrefece em nenhuma condição. Apesar disso, a que eu alimentava junto a companheiros dos mesmos ideais enfraqueceu, quando eles começaram a mudar de rota. Parece que se apagou em mim aquela chama pela causa que antes abraçara, a da liberdade de uma pátria a que tanto devemos, por ser o nosso berço.
Jesus ouviu pacientemente a dissertação de Simão e argumentou, com simplicidade: Simão! Simão! A Solidariedade é princípio divino no coração humano. Ela é uma argamassa de natureza superior que somente se ajusta em pilares da mesma formação. Se queres saber, a tua Solidariedade não se acabou, pelo que vemos está mudando de direção, assim como mudou o alvo no qual concentraste a tua atenção.
A política do mundo tem seus valores para aqueles que com ela se afinam. No entanto, sua área é restrita, e sua defesa é gananciosa e egoística. O partido que ora tomaste como emblema da tua vida se alicerça em leis mais elevadas. Ele não tem limites para fazer o bem, nem barreiras que demarcam tempo e espaço para servir.
É tão diverso dos outros que se empenha mais em favorecer os próprios adversários e, em vez de ofensa, perdão; no lugar do ódio, amor. A Solidariedade que buscas, que chamas de verdadeira, pode ser bem diferente da que antes idealizavas, porque ela, na verdade, encontrando o mesmo clima, se unifica.
Porém, em caso nenhum, deves exigir que ela não seja revestida da usura. Podes é afastar-te, depois de usares a tolerância, para onde melhor te acomodares, ampliando, cada vez mais, tua ação benfeitora. Nunca deves desistir definitivamente de solidarizar-te com o movimento de que participaste e que tanto esforço exigiu em prol do bem-estar comum.
Separa com critério as atitudes valorosas dos companheiros. Nunca um homem é inteiramente ruim, nem um grupo que se forma defendendo um ideal. Aproveita, pois, o que é bom e distancia-te do que achas imprestável. Se um teu inimigo está fazendo o bem no lugar que escolheu para viver, é justo desmerecê-lo, somente porque a presença dele não te agrada?
Jesus calou-se por instantes e deixou que os companheiros se demorasse nas meditações, buscando algo mais nas suas próprias deduções espirituais. E veio em socorro, trazendo novos reforços educativos:
Meu filho, acho uma nobreza em teu caráter a procura da Solidariedade. Podes notar, pelos benefícios que traz, que ela representa raios insofismáveis do amor. Quem ajuda por caridade é o homem que o futuro espera, é a alma querendo se tornar anjo, para que o mal fique só na história do mundo. Sabes, porventura, o que nos une neste instante e o que vai nos unir eternamente? É a Solidariedade de princípios, porque as bênçãos do Nosso Pai Celestial, nos convoca para tal.
Quando as pessoas que alvejaste com a tua Solidariedade falharem naquilo que antes mostravam como meta, não sejas como barco sem remador, entregando-te às ondas sem rumo, e não duvides da bondade de Deus que, por vezes, está te experimentando, para que possas assumir postos elevados na disseminação das verdades espirituais.
Quando isso acontecer contigo, renova a confiança e busca a frente, sem que o atrás te chame a atenção nos teus princípios. Ainda existe uma Solidariedade mais importante: é aquela que deves ter ao Senhor de todas as coisas, que mora fora de dentro de ti.
A atmosfera do ambiente palpitou de emoção. Somente se escutava dentro da igreja, em um ritmo de plena disciplina, o respirar daqueles homens de Deus. O Cristo tomou novamente a palavra:
Meu amigo! Que Deus te abençoe nos teus princípios de união dos que se encontram perseguidos e pela defesa de uma pátria na qual nascente. Contudo, não te esqueças de saber até que ponto a assistência é benefício e até que ponto a ajuda é conivência. Temos que nos preparar para a grande viagem da ascensão.
Se encontrarmos carruagem, melhor, vamos a ela. Se nos faltar essa condução, usaremos os pés sem esmorecer, por motivo nenhum.
Estamos aqui nos preparando para nos solidarizarmos com o bem que estiver sendo praticado em qualquer parte do mundo, e no meio de qualquer seita ou partido, reforçando o amor de Deus a todas as criaturas. E, nesse trabalho em que a universalidade é o lema, anunciemos as nossas concepções das leis do Criador, que se eternizam com o amor puro.
Passaram-se alguns minutos. Jesus, olhando para todos os presentes, levantou-se com elegância, fixando o olhar em Simão, que se aproximou sorrindo.
As portas se abriram. O velho curtidor foi chegando em busca de Simão e teve a felicidade de falar frente a frente com o famoso Nazareno. Beijou as suas delicadas mãos e pronunciou, com emotividade:
Graças a Deus! Graças a Deus!
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