Parto de um momento de muita dor, mas de forma alguma uma dor-revolta. Ao contrário uma dor-processo. Um processo natural e profundo daquilo que eu chamo transparecer.
Uso essa palavra no sentido de “aparecer total ou parcialmente através de”. Como os recifes de coral, transparecer sob a água límpida. Somos chamados a aparecer através da natureza da mente (conceito à frente melhor elaborado).
Dessa feita nossa palavrinha transparecer ganha o sentido de “fazer-se conhecida, revelar-se, manifestar-se”, permitindo o exercício do verbo transparentar, indicando o nosso real propósito de “tornar intelegível, aclarar, esclarecer”, o que não passa de uma grande confusão.
Essa confusão está estampada no nosso título, e, por incrível que pareça, não é a morte, mas sim a permanência. Aliás, a única coisa permanente que temos no nosso título é a morte.
Na natureza o ser humano é o único (animal, vegetal, mineral) a lutar, gastar suas energias por algo impossível de ser alcançado como a definitividade é.
Vamos ao ser humano:
Passamos a infância e juventude sendo educados. Achamos então um emprego e encontramos alguém com quem nos casarmos e termos filhos. Compramos uma casa, temos de ser be sucedidos e nossos negócios e lutamos por sonhos como os de possuir uma casa de férias ou um segundo carro. Planejamos nossa aposentadoria para curtirmos a vida na velhice. Durante tudo isso não esquecemos de educar nossos filhos, assim como nós fomos educados na infância e juventude, para que também possa ter e desejar empregos, casas, casamento e uma vida segura na aposentadoria.
Perceba, portanto, que viveremos de acordo como um planeta pré-ordenado que não difere muito de uma pessoa para outra. Com isto, o ritmo de nossas vidas é tão febril que não deixamos qualquer espaço de insegurança para que nos sintamos a todo tempo seguros, sabendo o que fizemos ontem, o que faremos amanhã e o que faremos daqui a dez anos.
Agora vejamos a natureza:
As células de nosso corpo se renovam a todo instante. O fruto morre para deixar uma semente capaz de gerar novos frutos. Uma estrela morre para nascer um planeta, etc.
É essa natureza que nos traz a 2ª metade do nosso título e a única coisa, como já anunciamos, realmente permanente que temos: a morte, impermanente, como ela e tudo mais é.
Por mais que teimamos em não considerá-la, é inequívoco como ela vai de encontro à permanência que tão desejamos. É impressionante a sua força para nos tirarmos dessa zona de conforto que teimamos em retro alimentá-la.
Afinal a morte é um selvagem fim de tudo que nos é familiar, inclusive daquilo que conhecemos como nós mesmos. Ou seja, que nós reconheceríamos sem nossos nomes, nossos companheiros, família, lar, emprego, amigos, títulos, cartões de crédito...
Assustador... Todo aquele arcabouço de coisas, bens, pessoas e propriedades fundamentais, a princípio, para nossa alvejada segurança se foi...
Feche os olhos um minuto e se permita perder tudo, tudo isso.
E agora? O que restou?
Talvez seja por esse desconforto que a morte nos apavora tanto. Sem estes sustentáculos todos, ficamos frente a frente conosco, um completo desconhecido, que sempre conviveu conosco, mas que nunca desejamos realmente encontrar.
É justamente para evitar este encontro que preenchemos nossas vidas de atividades incessantes e barulhos perturbantes. Assim, não corremos o risco da impermanência deste encontro.
Abafamos nosso medo secreto da impermanência, levando nossa vida de mais e mais bens, de mais e mais coisas, de mais e mais conforto, só para nos tornarmos escravos de tudo isso. Todo nosso tempo e energia se exaure, simplesmente, para manter as coisa. Nossa única meta na vida logo se torna manter tudo tão seguro e garantido quanto possível.
Ora, se planejamos a aposentadoria para curtirmos a vida na velhice, com os meninos já criados, significa que durante todo o tempo que se passou foi a vida que nos viveu, e não havendo escolha ou controle sobre ela.
Não é por menos que muitos aposentados têm sérios problemas, já que não sabem o que fazer consigo mesmos quando optam, pela primeira vez em suas vidas, viverem as suas vidas e não serem vividos por elas.
É desta constatação que surge o convite de desapego à segurança, de morte à permanência. Para tanto, temos que aceitar a morte, a impermanência.
A proposta não é abandonarmos nossos lares, botarmos uma mochila nas costas e andar em peregrinação pelo mundo. Se isto não é você, não há porque fazê-lo.
“Nossa tarefa é chegar a um equilíbrio, encontrar um caminho do meio, aprender a não nos estendermos, além do possível, em atividades e preocupações irrelevantes, e simplificar mais e mais as nossas vidas”.
Haverá mais tempo para tratar das coisas do espírito e do conhecimento da sua real natureza.
A primeira atitude é reconhecer que tudo é impermanente, a folha que cai, a luz que muda enquanto a leitura deste texto, as estação, a noite, o dia, o universo.
“Toda integração subatômica consiste na aniquilação das partículas originais e na criação de novas partículas subatômicas. O mundo subatômico é uma dança sem fim de criação e aniquilação, de matéria transformando-se em energia, e de energia transformando-se em massa. Formas transitórias faíscam dentro e fora da existência, engendrando uma realidade sem fim, para sempre novamente recriada”.
Com isto, o ser humano também é impermanente. Aquilo que foi presente, hoje é uma lembrança, é passado. Os sentimentos mudam a cada influência ... observe suas mudanças de humor.
A única coisa que realmente temos é o presente para praticarmos nossas mudanças. Então ... estendo o convite para a prática, para a aceitação da nossa morte, da morte da permanência.
A aceitação desta morte não deixa espaço para qualquer “padrão habitual”, trazendo: a tristeza pela preocupação da futilidade de seus antigos caminhos; e a alegria por causa da visão mais ampla que começa a aparecer.
Partindo do dizer dos tibetanos que diz que “não se pode lavar a mesma mão suja duas vezes na mesma água corrente”, encarar a vida como algo corrente é tornar-se livre da idéia de apego, da visão distorcida de permanência.
Como rochedos na orla, deixemo-nos ser esculpidos pelas ondas da mudança, aprendamos com elas suavizando as formas mais rudes da nossa personalidade.
Como guerreiros, abandonemos a segurança da nossa falsa permanência e substituamos pelo destemor em campo transformador das dificuldades.
A segunda atitude, com o conhecimento da impermanência, é percebermos que não há independência, tudo é interdependente.
A onda do mar, isolada, não existe, é algo que se tornou temporariamente possível pelo vento e pela água. Nada tem existência inerente e própria. Cada identidade se compõe de um vórtice de diferentes influências.
Assim, nos encaremos como jóias brilhantes, com um número incontável de facetas, mas também encaremos o outro como outra jóia. Cada jóia reflete em si mesma toda outra jóia do conjunto e é, de fato, una somente com todas as demais.
Esta interdependência implica em sermos responsáveis por nós mesmos, por todos e cada um, no universo inteiro.
A terceira atitude consiste em buscar a verdade. Se tudo é efêmero, o que é verdadeiro? Há alguma coisa por trás das aparências, por trás desta grande confusão?
Façamos um novo silêncio! Se lembre da criança que você era antes de receber seu primeiro não, tente se lembrar de você, aquele você que foi deixado para traz.
Para os budistas temos a natureza da mente, para alguns a essência, para outros a verdade fundamental, não importa o rótulo. O importante é o contato com a nossa essência mais profunda, abrir-se para o nosso vasto potencial, nossa consciência perfeita, presente, sensível e vazia, desnuda e desperta.
Abrir-se para aquilo que lhe coloca o sorriso no rosto, as lembranças em que a alegria imperou por que você entrou em contato, mesmo que de forma breve, com você. Aquela atividade, aquela leitura, aquela briga, aquele apaziguamento que mostrou, sem qualquer tipo de máscara ou maquiagem, o ser ainda não tolhido e não reprimido durante anos de experiências.
Não há motivos para melindres, somos todos essencialmente perfeitos, todo conteúdo a surgir somente será aquele apto a ser ouvido, nada apressado, nada assustador.
O temor que o silêncio e a quietude trazem para um mundo dedicado à distração afasta, na maioria das vezes, a simplicidade, mas somos capazes de enxergar além de toda a ilusão da complexidade da sociedade atual, tornando este contato conosco mesmo algo bem simples.
Assim, nos transmutando, nos “revoltando”, cada passo voltado para o nosso interior nos tornará aptos a perceber que a nossa verdade está próxima demais para não ser reconhecida, é profunda demais para não adiarmos mais um dia, é fácil demais para não acessá-la e maravilhosa demais para jamais querermos esquecê-la.
Por tanto, está aberto o convite: RISE, ou seja, ascenda, levante-se, eleve-se, ergua-se, nasça.
Gabriel Carballo Martinez
Que legal Vitor, adorei ver o texto em outro espaço. Abraços.
ResponderExcluir