domingo, 26 de abril de 2015

Sob os Olhos da Clarividente


ELIETE
Eliete chegou ao Vale do Amanhecer na garupa de uma Honda de 350 cilindradas e com um barulho ensurdecedor. Calça rancheira, cabelo mal cuidado e blusa decotada. Trazia, no rosto jovem, a marca da velhice precoce. Na dureza dos olhos guardava a indiferença gerada pelo uso de drogas e, na face, a marca das intempéries. Foi recebida com o mesmo carinho dispensado aos hippies e, de pronto, se tornou parte integrante do nosso quotidiano. Sempre cortês e com um meio sorriso de indiferença, jamais reclamou ou fez qualquer ato que a tornasse menos simpática. Gerava, porém, em todos nós, um sentimento de tristeza e de abandono. Estar perto de Eliete era como estar próximo de um abismo, de coisas sem princípio nem fim.
Nascera no Rio de Janeiro, filha de um casal jovem e feliz. Antes dela, o casal tivera um menino. A menina, loira e bonita, era como um ornamento na vivência daquele casal, tipicamente carioca, de padrão econômico relativamente estável, de vida descuidada e superficial.
Trabalho, praia, amigos e o carro do último ano eras as preocupações maiores. Eliete assim cresceu, fútil, sem maiores problemas, alimentada, em seu incipiente intelecto, por histórias em quadrinhos, com escolaridade fácil e tendo a única preocupação a de manter-se nas ondas jovens das praias cariocas. Nenhum cuidado tirava o bom-humor constante da família.
Porém, no plano astral, os Mentores se movimentavam em benefício daquele lar. A vida despreocupada os levaria ao estacionamento, à estagnação espiritual e ao não cumprimento de suas obrigações espirituais. Eliete viera com a missão de trazer, àquela família, a mão de Deus! Como missionária, fora escolhida para sacudir a situação aparentemente estável daquele lar, e teve início, então, a série de dissabores nas vidas deles. Delegacias, hospitais, escândalos e toda gama de dores trazidas pelo submundo espiritual, começaram a afligir aquelas pessoas.
Aos quatorze anos, Eliete começou a trazer os primeiros problemas: por seu intermédio, o passado transcendental começou sua cobrança naquele lar despreparado para coisas mais sérias.
Eliete conheceu Félix, rapaz estróina e filho único de uma viúva neurótica. Logo, Félix iniciou-a no mundo dos sonhos e das drogas. O plano espiritual começou, assim, a exercer sua ação catalisadora na faixa cármica familiar. Félix a preparava, “espiritualmente”, para as viagens onde viviam experiências fantásticas.
O lazer constante e a ausência de problemas econômicos lhes dava condições para o luxo de pesquisas místicas, alternadas com pesquisas eróticas, e Eliete tornou-se verdadeira sacerdotisa do vício e dos absurdos. Rapidamente, seu comportamento começou a atingir a tranqüilidade de seus pais, pouco afeitos às questões psicológicas, sem nenhuma preocupação com o mundo dos espíritos, sem religião ou qualquer outra forma coibidora.
A situação de conflito se instalou. Sem saber procurar a solução para o problema, os pais de Eliete estavam preocupados, em primeiro lugar, com a manutenção de seu status de devaneio e despreocupação. A própria Eliete facilitou uma solução: foi morar na companhia de Félix e sua mãe, passando a viver, quotidianamente, num repugnante mundo de depravação. Nesse ínterim, as vidas de seus pais entrou em franca decomposição. Embora se amassem, não tinham tolerância e nem competência para enfrentar problemas mais sérios. A situação gerada pela vida de Eliete, de agressões e acusações mútuas, fez com que o casal se desquitasse.
O clímax da faixa cármica trouxe um princípio de solução: Félix, dopado, subiu, sub-recepticiamente, na carroçaria de um caminhão carregado de madeira. Dormiu e caiu do veículo em grande velocidade, morrendo no asfalto.
Eliete vivera, na companhia dele, três anos de depravação e licenciosidade. Sem o companheiro, ficou desnorteada, e foi viver com o pai. Ambos, porém, não se toleraram por muito tempo, e ela se mudou para a casa de sua mãe, onde o quadro de intolerância se repetiu. Sem saber o que fazer com Eliete, mandaram-na para estudar na Inglaterra, onde, em vez de ir para a faculdade, juntou-se a um grupo de hippies, com os quais viveu cerca de dois anos.
Desencantada e saturada de tudo, Eliete voltou ao Brasil, e passou a perambular pelas estradas, em companhia de outros jovens nas mesmas condições. Freqüentava as praias, as tabernas e vários locais de iniciações misteriosas, com isso adquirindo deformado conhecimento do mundo espiritual e da mediunidade.
Com o cérebro atingido pelas drogas, desenvolveu mediunidade angustiada. Vivia perturbada pelos sonhos fantásticos e por inquietação permanente.
Sua incerta peregrinação a trouxe para o Vale do Amanhecer, em companhia do grupo hippie. A viagem na garupa de uma motocicleta marcou o começo de sua redenção, pois ali ela encontrou amor e compreensão, a aceitação natural, a ausência de críticas e a vivência em meio ao trabalho mediúnico intenso, o que a levou a encontrar uma razão de viver.
Desenvolveu sua mediunidade, entrou em contato espiritual com seus Mentores, abandonou as drogas e, em pouco tempo, transformou-se numa boa moça, saudável física e mentalmente. Ingressou, decididamente, no caminho crístico do amor, da tolerância e da humildade.
Eliete fez sua Iniciação. Voltou para o Rio, mas não quis a companhia dos pais. Arrumou um emprego como balconista, e vive a vida tranqüila de quem sabe direcionar o seu próprio destino.
- É, Neiva, uma história interessante. Só não entendi uma coisa: geralmente, os jovens que aparecem por aqui têm sua desgraça debitada aos traumas de família, pais fracassados, mães desajustadas e coisas assim. Eliete, porém, nasceu num lar feliz, no qual havia amor, padrão de vida e posição elevados na sociedade. Como explicar isso?
- Ausência de um preparo espiritual, Mário, falta de profundidade vivencial. Não se esqueça de que estamos habituados a enfrentar os problemas dos que nos procuram quando existe uma crise, uma eclosão de conflitos. Em nossa preocupação em amainar a angústia, em nossa função de socorristas, não nos ligamos em julgar ou analisar, e, com isso, não vamos às raízes sociais, o que, aliás, não é de nossa competência. Nossa função não é controlar a sociedade, mas, sim, apenas dar amparo aos que nos procuram. O caso de Eliete é o mesmo do de milhares de jovens para os quais as funções do lar são somente de abrigo e proteção. O lar moderno tornou-se apenas isso, embora com muitas e benéficas exceções. É por isso que afirmamos ser a família o maior lugar dos reajustes, onde os espíritos se encontram para cobrar e resgatar suas dívidas espirituais e cármicas. A felicidade no lar tornou-se um padrão abstrato, uma espécie de representação generalizada. Imagine, Mário, um grupo de atores teatrais que fossem obrigados a viver seus papéis vinte e quatro horas por dia, andar na rua e em todos os lugares com suas caracterizações, e você terá uma idéia do Homem moderno. Papéis e mais papéis. No escritório, ele é o chefe; na rua, ele é o transeunte; no volante do carro, ele é o motorista; no clube, ele é o desportista; e em casa, ele é o chefe da família. Na verdade, todos esses papéis escondem seres angustiados, irresolvidos, despersonalizados. O Homem moderno vive a angústia da incerteza e da ausência de resposta para as indagações básica: de onde vem? Para onde vai?
- Neiva, já discutimos isso antes. Vimos que o Mediunismo seria uma solução, mas o simples fato de se falar em Mediunismo já parece fanatismo, superstição. Qual seria a mensagem que iria levar um pouco de lenitivo para tantos milhões de seres humanos? Como poderíamos atingir essas almas sofredoras?
- Mário, Mário! Não se preocupe tanto com isso. Lembre-se de que existe perfeita coordenação nos planos espirituais, e Deus provê a todas as criaturas sua oportunidade. Descrevi um quadro de superficialidade na vida humana, mas o Homem, que está sob a máscara do ator, tem um espírito transcendental a animar sua alma e a exigir o perfeito cumprimento das tarefas cármicas. O próprio caso de Eliete ilustra o que digo. Chegado o momento, as Leis Divinas entraram em ação, e seus pais foram jogados no cumprimento de suas faixas cármicas. Eliete serviu como instrumento, entre a vida que eles levavam, sem dor, sem sofrimento, sem preocupações, e para superação do sofrido quadro atual, eles irão encontrar o caminho de suas realizações espirituais.
- Neiva, será que só pelo sofrimento as criaturas encontram o caminho da realização espiritual?
- Não, Mário, não pelo sofrimento, mas, sim, pela dor!... É preciso saber a diferença entre uma coisa e outra. Aqui, no Vale, padecemos muita dor, não é verdade? Mas você acha que nós sofremos?
- É, pensando bem, é isso mesmo! Eu não me julgo um sofredor, e vejo poucos se queixarem aqui dentro. Entretanto, vivemos mergulhados na dor, sejam as nossas, ou sejam as dos outros. É, isso é muito interessante!
- Mário, há outro ângulo pelo qual esse problema precisa ser examinado, que é o da realização, na faixa da personalidade. Muitas vezes o excesso de bem estar, muita estabilidade e segurança social leva o espírito ao estacionamento, a interromper sua trajetória transcendental. Isso é verdadeiro até no plano físico.
O ser excessivamente perfeito, porém animalizado, só consegue emitir na horizontal do plano físico, e só recebe sua alimentação desse plano. Para que a pessoa se espiritualize, receba as inspirações do Céu, é necessário um certo equilíbrio entre a vida física e a espiritual. É por isso que os jejuns foram preconizados em épocas de maior religiosidade. Também, na vida social, um certo tipo de jejum é aconselhável...

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