Farmacêutico, Médico (Santo?): 1843 – 1897
Sousa Martins
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QUANDO TUDO ACONTECEU...
1843: Em Alhandra, vila à beira-Tejo, a uns 25 quilómetros de Lisboa, nasce José Tomás de Sousa Martins.1856: Passa a praticante na Farmácia Ultramarina, em Lisboa. 1864: Alcança notável classificação em Farmácia, 1866: Brilhante licenciatura em Medicina. 1869: Demonstrador da Secção Médica da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. 1874: Médico extraordinário do Hospital de São José. No mesmo ano é nomeado membro benemérito da Sociedade Farmacêutica Lusitana pela sua brilhante actuação como representante de Portugal no Congresso Internacional de Viena “Quarentenas e Medidas Sanitárias”. 1876:Na Escola Médica é catedrático de Patologia Geral, Semiologia e História da Medicina. 1888: É um dos fundadores do Club Hermínio que se propõe levantar casas de saúde na Serra da Estrela. 1897: Participa naConferência Sanitária de Veneza, e ali sente-se mal, já está contagiado pela tuberculose. Morte de Sousa Martins.
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Estátua de Sousa Martins |
Em Lisboa, no Campo de Santana (mais tarde chamado Campo dos Mártires da Pátria) cercada de montes de flores, de velas acesas e de placas de mármore gravadas com agradecimentos e homenagens (ex-votos), frente à Faculdade de Medicina está implantada a estátua do Dr. Sousa Martins, obra do escultor Costa Mota, Perto, localiza-se o quiosque da D. Orlanda, florista cabo-verdiana. Todos os dias ela deposita um ramalhete junto aos pés da estátua, Provoco:
- Mas que gentileza é essa, ó D. Orlanda? Olhe que esse aí nem sequer era preto...
Devolve:
- Ele é preto, ele é branco, ele é tudo, ele é santo.
Fico atordoado: passado mais de um século, o médico Sousa Martins continua a cativar devotos? Sinto-me envolvido pela sua história, sugado pela sua vida, arpoado pelo culto popular que lhe é prestado em Lisboa (Campo de Santana), em Alhandra e na cidade da Guarda. Culto aliás abjurado pela Igreja Católica, depois veremos por que motivo.
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FARMÁCIA ULTRAMARINA | |
Elevador da Bica | A 7 de Março de 1843, em Alhandra, vila a dois passos de Lisboa, a doméstica Maria das Dores dá a luz um menino que é baptizado com o nome de José Tomás de Sousa Martins. Caetano Martins, carpinteiro, pai de José Tomás, morre quando o garoto tem apenas sete anos. Maria das Dores, sozinha, toma conta do filho até ele completar a Instrução Primária. Só então pede ajuda ao seu irmão Lázaro, que vive em Lisboa e ali é dono da Farmácia Ultramarina,
Lázaro recebe o sobrinho em sua casa, matricula-o no Liceu Nacional e convence-o a praticar na farmácia.
Seduz-me cotejar o que já lá vai com o meu presente. Em Lisboa alcanço o Largo do Chiado e, logo a seguir, as duas igrejas, uma frente à outra, a do Loreto e a da Nossa Senhora da Encarnação. Atravesso a Rua da Misericórdia, cruzo o Largo Camões e sigo pela Rua do Loreto. Mais uma centena de metros e arribo ao Largo do Calhariz, Daqui parte, ladeira abaixo, o Elevador da Bica. Embarco. Talvez uns dois minutos para chegar ao fim da linha. Desço. Estou na Rua de São Paulo, frente à Farmácia Ultramarina. Mas não vejo o Sousa Martins, não posso vê-lo, apagou-se há mais de um século. Porém um golpe de imaginação e vislumbro que o rapazinho está ali a manipular produtos naturais, com rigor e entusiasmo, sempre.
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CURSOS | |
Concluído o curso liceal em 1861, Sousa Martins faz a admissão à Escola Politécnica de Lisboa e dali salta para a Escola Médico-Cirúrgica.
A seguir matricula-se em Farmácia, junção de cursos.
Em 1864, com apenas 21 anos, obtém notável classificação final em Farmácia, Para alguma coisa valeu o muito que praticara com o seu tio Lázaro.
Em 1866, com 23 anos, conquista brilhante licenciatura em Medicina.
Diplomas e conhecimento profundo, armado está Sousa Martins.
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TORRENTE | |
Hospital de São José | Afoito, vejo que nada pela vida fora.
Atira-se de cabeça, mergulha. Ainda em 1864 é nomeado sócio efectivo da Sociedade Farmacêutica Lusitana.
Dá quatro braçadas a favor da corrente. Em 1867 é nomeado Sócio Correspondente da Academia Real de Ciências (de Lisboa),
Evita um escolho. Em 1868 vai a concurso e é chamado para demonstrador da Secção Médica da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa.
Mergulha, sustem a respiração. Em 1874 é convidado para médico extraordinário do Hospital de São José.
Contorna um promontório, Ainda em 1874 é nomeado membro benemérito da Sociedade Farmacêutica Lusitana pela sua brilhante actuação como representante de Portugal no Congresso Internacional de Viena “Quarentenas e Medidas Sanitárias”.
Exausto, embora tranquilo, aproxima-se da meta. Em 1876 a Escola Médica convida-o para leccionar as cátedras de Patologia Geral, de Semiologia (estudo dos sintomas das doenças) e da História da Medicina.
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MÉDICO E DOENTES | |
Sousa Martins e a sua bondade sempre a jorrar. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a TÁBUA CRONOLÓGICA.
| Com o seu diagnóstico certeiro e célere, em cada mês Sousa Martins consegue atender um rancho alargado de pacientes.
A sua bondade, que não pára de jorrar, incita os doentes a guindá-lo a santo milagreiro. Até lhe dirigem orações. Eis uma, entre as centenas recolhidas:
Nada me alegra tanto
Como ouvir-Te Sussurrar como devo Encaminhar Os meus passos. Só pensando em Ti Consigo Caminhar na vida. Obrigado Dr. Sousa Martins
Eis outra:
Dr. Sousa Martins,
Ajuda-me a não desistir Quando as dificuldades São muitas E os escolhos são enormes Mas o caminho está certo E tenho de prosseguir. Ajuda-me, Dr. Sousa Martins, Eu quero vencer na vida.
E ainda uma terceira:
Este louco coração
Corre como um cavalo Sem freio E atinge níveis descomunais. Para o acalmar Dou-lhe alfazema ou erva-cidreira E ela abranda Tal como disseste. Obrigado, Dr. Sousa Martins.
E uma quarta:
Falta me a luz
Para entender Como hei de proceder Tento tudo Mas tudo sai errado E é cada vez mais complicado. Por favor, Ajuda me, Dr. Sousa Martins.
E ainda:
Tudo me mete medo
Não sou capaz de arriscar Mais do que vejo À frente dos meus olhos. Só passo a passo Consigo avançar E mesmo assim hesito Em tudo quanto faço. Dr. Sousa Martins Diz-me como hei de proceder E este medo perder Para ser igual A toda a gente feliz. Ajuda-me Dr. Sousa Martins.
José Tomás de Sousa Martins debruça-se, fundamentalmente, sobre os pobres e desprotegidos, sobre os espezinhados nesta vida porque ele, apesar de se dizer maçon, acredita que há outras para além daquela que ora estamos a percorrer.
Para ele, a alma, o espírito, será portanto um pássaro sempre em busca de um ninho mais acolhedor. Os coitados que estão para ali à espera do fim, mais tarde irão reencarnar, umbral distante mas que um dia será alcançado.
Adverte:
- Quando entrardes de noite num hospital e ouvirdes algum doente gemer, aproximai-vos do seu leito, vede o que precisa o pobre enfermo e se não tiverdes mais nada para lhe dar, dai-lhe um sorriso.
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AMORES
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Serra da Estrela
Ex-votos para o Dr. Sousa Martins | Vários amores porém Sousa Martins não casa, coração excessivo para aturar uma rainha absoluta.
TUBERCULOSE
Em Lisboa, doença epidémica é a tuberculose pulmonar. Os antibióticos ainda não existem e Sousa Martins acha que só a climoterapia pode enfrentar essa terrível doença. Ou seja: é urgente deslocar para lugares altos como a Serra da Estrela e a cidade da Guarda, os doente atingidos pelo bacilo de Koch.
Com o apoio da Sociedade de Geografia de Lisboa, Sousa Martins, o geógrafo Brito Capelo e o médico Basílio Freire da Universidade de Coimbra, em 1888 estruturam o Club Hermínio, fundação que se propõe levantar várias casas de saúde na Serra da Estrela. A primeira a ser construída é nas Penhas da Saúde, local assim denominado porque ali vão pousar os que sofrem de doenças respiratórias.
Apesar das promessas da Coroa o sanatório da Guarda é que tarda a ser erguido.
SUICÍDIO
Em 1897 Sousa Martins participa na Conferência Sanitária de Veneza, onde é eleito vice-presidente, Durante os trabalhos sente-se mal, mordido já está pela tuberculose, contágio dos seus pacientes,
Quando chega a Lisboa logo trata de partir para a Serra da Estrela, em busca de alívio,
Ao sentir-se melhor regressa a Alhandra e ali instala-se na quinta de uns amigos.
Diagnóstico: tuberculose e lesão cardíaca!
Diz para um colega:
- A morte não é mais forte do que eu,
E sussurra para outro:
- Um médico ameaçado de morte por duas doenças, ambas fatais, deve eliminar-se por si mesmo.
É o que ele faz em 18 de Agosto de 1897, injecta-se, overdose de morfina. 54 anos, vida curta, porém ardente,
Diz El-Rei D. Carlos I de Portugal:
- Sousa Martins, ao deixar o mundo, chora-o toda a terra que o conheceu. Foi uma perda irreparável, apagando-se com ele a maior luz do meu reino.
A Rainha D. Amélia trata de apressar a construção do Sanatório Sousa Martins na cidade da Guarda.
Diz o poeta Guerra Junqueiro:
- Eminente homem que radiou amor, encanto, esperança, alegria e generosidade, Foi amigo, carinhoso e dedicado dos pobres e dos poetas, A sua mão guiou. O seu coração perdoou, A sua boca ensinou. Honrou a medicina portuguesa e todos os que nele procuraram cura para os seus males.
OUTRA VEZ NO CAMPO DE SANTANA
Não me cativam as tais revoadas de ninho em ninho. Se elas seduziram o Sousa Martins, problema dele, só dele, a cada qual a sua própria intuição....
Apesar do culto popular a Igreja Católica continua a recusar a santidade a Sousa Martins porque ele foi, sem vacilar, espírita e suicida. .
Torno ao Campo de Santana. Aponto a estátua e outra vez meto conversa com a florista cabo-verdiana:
-D. Orlanda, esse aí já não é santo.
Ela benze-se e eu continuo:
- Tenha calma! Não é, mas foi. Há cem anos ele foi santo e dos grandes. É essa a homenagem que lhe presto.
Sorri, aliviada. Suspira:
- Ao menos isso, valha-nos Deus...
SALVE DEUS
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